30 janeiro 2012

O Salto

Esta semana, a leitura de um texto na revista Visão fez-me refletir sobre os «saltos» que escolhemos dar e a forma como esses «saltos» refletem a nossa forma de estar na vida. Passo a transcrever:
«O Salto
Um salto serve para olhares por cima de um muro durante alguns segundos.
E sete saltos? Como agir se quisermos dar sete saltos? Eis, entre outras, uma das questões essenciais.
Hipótese 1 - Sete saltos servem para olhares sete vezes por cima do mesmo muro durante alguns segundos.
Ou, hipótese 2: sete saltos servem para olhares por cima de sete muros diferentes.
São duas formas de existência. São dois tipos de animais completamente distintos.
Sobre o número de saltos certos
Mas lá por conseguires dar sete saltos isso não quer dizer que consigas dar seis saltos. E isto não é um paradoxo aleatório nem uma provocação. Deixa-me explicar.
Repito: lá por conseguires dar sete saltos isso não quer dizer que consigas dar seis saltos.
Ou seja, há quem não domine a chamada contenção: ser capaz de fazer mais, mas optar por fazer menos. E o que designamos como contenção pode também chamar-se elegância ou delicadeza.
O que é um atleta? É alguém que, se é capaz de dar sete saltos, dá sete saltos. Sem hesitações.
O que é um sábio? É alguém que é capaz de dar sete saltos e, por isso mesmo, dá apenas seis saltos.
O que é o sábio ainda mais sábio? É aquele que é capaz de dar sete saltos, mas dá cinco.
E o ainda mais sábio? O que dá um salto, sendo capaz de dar sete saltos.
E, no meio disto tudo, o que é um preguiçoso? É aquele que é capaz de dar sete saltos e não dá nenhum.
A diferença, portanto, entre o mais sábio dos sábios e um preguiçoso?
Um salto.
Gonçalo M Tavares in Visão (26/01/2012)
A minha questão diz respeito à premissa inicial. Tendo por base a brilhante definição do autor do texto, segundo a qual «um salto serve para olhares por cima de um muro durante alguns segundos» Como explicar então o salto ao eixo que se observa por todo o lado? Que dizer da sua utilidade enquanto salto? Diria que nem é salto de verdade, já que a finalidade é bem outra - poderá quando muito constituir uma forma de utilizar as costas de alguém para se aproximar do muro.
Depois há os saltos que não servem para olhar por cima do muro, mas sim para ser visto do outro lado do muro. Então e se quem está do outro lado está distraído e não vê? Quanto tempo terá que se saltar até conseguir ser visto (se é que está alguém do outro lado do muro interessado em ver quem salta)?
Digo desde já que admiro os atletas, que sendo capazes de dar sete saltos os dão mesmo, com a segurança de quem aprendeu previamente a cair e a destreza própria de quem educou o seu ser para saltar. Provavelmente saltarão para olhar por cima de um muro mais alto em cada salto, procurando desafiar a sua performance. A contenção como forma de elegância ou delicadeza é sacrificada, em prol do aprofundamento da técnica do salto em si, mesmo que não haja nada de interessante para ver por cima do muro.
O sábio tem algo de gato quando salta. De todos os animais, é o gato que salta com mais elegância. Não o faz porque pode, visto que saltar é absolutamente natural nele. Salta quando quer ou quando é preciso e só saltará por sete muros diferentes se houver uma realidade diversa atrás de cada um.
O gato prepara o salto espreguiçando todo o seu corpo, de forma a que os músculos entendam o tipo de salto que vai dar, com os olhos postos no ponto a atingir. Depois projeta-se no ar com toda a segurança, para cair de pé no local previamente determinado.
Tal como o gato, o sábio não gastará as suas energias em sete saltos, podendo dar apenas um. Tal como o gato, escolherá o momento certo para que o salto seja perfeito. Não importará que alguém o veja saltar e menos ainda que alguém saiba que ele pode sequer saltar. Se chegar alguma vez a falar do seu salto, será para contar a alguém que algo existe para lá do muro, omitindo a sua capacidade natural para saltar.
O preguiçoso, que poderia dar sete saltos e escolhe não dar nenhum, ficará na ignorância de que bastaria um apenas para que se tornasse num sábio.
Depois de tudo, o que ficou foi o enorme desejo de ler a obra de Gonçalo M. Tavares, a começar por Uma Viagem à Índia. Presumo que tenha a contenção e elegância de quem, podendo dar sete saltos, escolhe um único salto perfeito, digno de um gato.
Lina Chambel