18 dezembro 2014

Livre Arbítrio e Karma


Karma (acção) e livre arbítrio, ou o exercício da escolha/decisão parecem estar indissociavelmente ligados. É uma relação relativamente simples de compreender ao nível do indivíduo - cada acção gera uma reacção. Fácil -  se alguém plantar cenouras, cenouras colherá e não outra coisa qualquer. De resto, tem-se escrito e falado tanto sobre o tema, que há já todos têm com ele algum grau de familiaridade.

Sabemos também que a liberdade que temos para escolher depende de factores externos de ordem política, legislativa, económica ou outros, mas também do conhecimento de cada um. Ninguém pode escolher aquilo que desconhece e nessa medida, quanto maior for o conhecimento, maior o leque de escolhas disponíveis. Fácil.

Fácil quando tudo é compreendido ao nível da consciência densa do eu. Algum tipo de realinhamento se impõe à medida que essa consciência se vai refinando e acedendo a níveis cada mais elevados - é esse o objectivo da prática de Yôga que desenvolvemos. O que acontece quando verificamos que aquele eu que julgávamos ser e do qual éramos tão ciosos não passa de uma ilusão? Como fica tudo quando nos diluímos, fundimos e nos tornamos parte integrante de um nós que nos ultrapassa tanto, que nem lhe conhecemos os limites? Como fica o Karma, de quem é o livre arbítrio?

Nessa caminhada de ampliação das percepções, vamo-nos apercebendo de que funcionamos em diversos níveis em simultâneo, que correspondem a níveis de consciência diferentes. Embora a realidade do eu pequeno e denso não conceba as outras mais amplas, elas estão lá, em plena acção e a partir de determinada dimensão não se referem apenas ao eu individual, embora interfiram fortemente com ele. De que modo interferem no karma e no livre arbítrio? 

Até que ponto algumas das nossas acções são da decisão exclusiva do indivíduo e até que ponto são fruto de planos maiores, que incluem mas excedem o indivíduo? Até que ponto se exerce o livre arbítrio de forma expontânea, com a interferência apenas do eu denso? Será que aquilo que a nossa mente pensa que está a escolher não foi já escolhido antecipadamente pelo nós; ou será que por outro lado o eu tem que aprender a incluir o nós nas suas decisões - ambas as variáveis podem até acontecer em simultâneo. Têm tanto que se lhe diga, tantas implicações, que muitas mais reflexões serão necessárias.

Seja como for, esta perspectiva implica uma responsabilidade tremenda em cada escolha e em cada acção. E se quem me está a ler pensa que é dono e senhor das suas decisões e que elas não dizem respeito a mais ninguém, peço-lhe que recorde algumas das que já tomou e que verifique se não terão gerado consequências noutros seres. Será que alguém pode dizer em consciência: "eu faço o que quiser e ninguém tem nada a ver com isso"; ou até "sou dono e senhor das minhas acções"?

Se quem me está a ler já viveu a experiência magnífica do nós, conhece essa força, energia e míriade de emoções e sentimentos, quiser reflectir comigo, deixo o contacto de email: ady.estoril@gmail.com.


24 janeiro 2014

TAPAS e o Poder Interno

Tapas é uma das prescrições do código de ética do yôgin. É um termo em Sânscrito, que deriva da raiz tap, que significa calor ou ardor. Designa a auto-superação, num esforço constante do indivíduo para se melhorar em todos os aspectos e circunstâncias. Ao invés de se poder associar a algum tipo de disciplina fundamentalista, é muito mais o hábito de abraçar desafios escolhidos por si mesmo, pondo-se à prova e levando mais longe as suas potencialidades. Além de ser estimulante, é de natureza extremamente criativa.

A metodologia do Yôga, no caminho para a expansão da consciência, pretende aproximar as capacidades humanas do nível da excelência. Muitos são os obstáculos, sobretudo sob a forma de condicionamentos culturais e individuais mais ou menos enraizados, que nos prendem a padrões de comportamento ou de concepção que provavelmente nunca questionámos. Será que os queremos? Será que temos a força suficiente para os mudar se não os quisermos? São questões directamente relacionadas com a liberdade de escolha e a força para vencer obstáculos. Sobre esta última há ainda que medir o que é mais forte, eu ou o obstáculo?

Durante a prática das técnicas de Yôga, observamos que podemos ir cada vez mais além, tal só depende da regularidade da prática e do esforço e aplicação da vontade na sua execução. Ora como nenhuma das técnicas é meramente física, essa aplicação da vontade é também exercida sobre as emoções e a mente, reeducando-as em contínuo. Esse é já um desfio tremendo, mas sendo o Yôga uma filosofia de vida, o desafio maior é fazer exactamente o mesmo exercício na vida diária, fora da sala de prática. Trata-se de aceitar e compreender as suas fraquezas para crescer através delas, manter a mente aberta para escolher o que quer para si, estabelecer os seus próprios limites com base na sua ética e autoconhecimento e até ser capaz de dizer não quando todos os outros dizem que sim, sem recear a opinião alheia.

O conceito de tapas não envolve que o indivíduo se force a coisa alguma, mas antes que adquira a força para se levar até onde quiser.  Requer conhecimento, desenvolve a consciência da liberdade individual e confere segurança interna e um poder cada vez maior sobre si mesmo. É em boa medida o calor ou fogo que tempera o aço da vontade.