26 novembro 2011

Sofrosina: da antiga Grécia para a atualidade



Sofrosina é um termo filosófico grego. Aparece em vários escritos da cultura clássica grega, sobretudo nos de Platão e relaciona-se de forma estreita com o conceito de harmonia de Pitágoras. Poderia ser traduzido por moderação, mas o seu significado vai mais longe e implica também o autocontrole, a prudência e o bom senso, adquiridos por via do autoconhecimento. Cabe perfeitamente na doutrina apolínea veículada pelo oráculo de Delfos nos seus dois lemas mais conhecidos: «nada em excesso» e «conhece-te a ti mesmo».

Sofrosina corresponde ao comportamento saudável, que se opõe ao conceito de húbris. Este último refere-se ao excesso de autoconfiança e de orgulho, à presunção e arrogância, que resultam no desrespeito pelos outros e pelo alheio, podendo conduzir à insolência, às paixões desenfreadas e até mesmo à violência. Manifesta falta de controle, desequilíbrio e impulsos desenfreados. É o tipo de excesso de confiança que atinge alguém que se convence que nada de mal lhe pode acontecer e que sai fora da sua medida, enveredando por comportamentos suscetíveis de causar danos a si próprio e aos outros. A húbris pode desenvolver-se em alguém que atinge um grau de sucesso satisfatório e deixa de ponderar suficientemente as suas decisões e os seus atos, bem como os riscos que estes envolvem. Foi este comportamento que levou à ruína o herói da tragédia grega Édipo (de Sófocles), que mata o pai desconhecendo o parentesco que os une; foi ele que levou mais tarde o Doutor Fausto (de Christopher Marlowe) a vender a alma ao diabo; é o mesmo que leva hoje inúmeros empresários à queda depois de um percurso de sucesso.

Ambos os conceitos se mantêm extremamente atuais e descrevem formas de estar assumidamente antagónicas nos dias que correm. O mundo do dinheiro em que vivemos exige sucesso rápido, frequentemente com prejuízo da análise das consequências a longo prazo. O individualismo exagerado atenua as fronteiras dos seus próprios limites. Não há tempo para si mesmo e para se interrogar, daí que o autoconhecimento fique para nunca mais - agir é mais importante que pensar e sentir. Por outro lado, há um grupo cada vez mais numeroso de pessoas que anseiam por uma melhor qualidade de vida, maior consciência de si, dos outros e do mundo que os rodeia. São os que fazem a apologia do slow living, que optam por formas de vida mais simples, com menos bens materiais, mas com mais tempo para desfrutar da família e dos amigos, que cultivam as boas relações humanas, valorizando o bem estar do seu semelhante, mas sobretudo cuidando do seu próprio equilíbrio.

A escolha entre um ou outro comportamento depende da vontade. Não são características inatas, nem resultado da educação ou cultura, embora esta possa ter alguma influência. Há até inúmeros exemplos de quem tenha tido um comportamento marcadamente húbrico e a partir de determinada altura se tenha encontrado consigo próprio e decidido inverter o sentido de marcha. Esse será seguramente um «reset» difícil e trabalhoso, exigindo a alteração de hábitos e padrões de comportamento, bem como uma boa dose de disciplina e o controle dos seus impulsos.

Seja como for, sofrosina é um conceito que necessita de muita maturidade para ser implementado. Reter determinação, um elevado grau de humanidade e tolerância para consigo mesmo e para com os outros. Passa pela aceitação das suas próprias características e limitações, pelo exercício do perdão (que é um ato extremamente criativo), pela humildade necessária para reconhecer que muito há para aprender e para se manter aberto a novas ideias. Necessita da valorização de todas as coisas, bem como das várias formas como pessoas e coisas podem contribuir para o desenvolvimento do universo pessoal. Há ainda que ponderar os efeitos dos seus atos e palavras a curto médio e longo prazo, mantendo o foco na construção do ser em que deseja tornar-se. Como se não bastasse, esse autocontrole precisa de ser exercido relativamente às suas emoções e até mesmo pensamentos. Tarefa árdua? Não tanto se pensarmos que é um processo em que cada momento ou etapa é tão importante quanto a meta. Importa o caminho, que é feito passo a passo, que terá precalços, mas também conquistas. O movimento é sempre de dentro para fora, ou seja, o que se conquista interiormente será naturalmente projetado para o exterior.

Nas sociedades desenvolvidas dos nossos dias, em que a maioria das pessoas tem as suas necessidades básicas asseguradas, a procura do autoconhecimento tem vindo a crescer nas várias faixas etárias da idade adulta. Corresponde, no fundo, à escolha da pessoa que se quer ser. Aí está provavelmente a maior beleza deste conceito: o poder é retirado das condições externas, para passar a ser detido pelo sujeito, que escolhe a forma como as vivencia e reage perante elas.