23 fevereiro 2010

Generosidade e União



Generosidade é um conceito com múltiplas possibilidades de entendimento. Aquele que escolho para esta reflexão, é o que pretendemos desenvolver no Swásthya Yôga, que não prevê reconhecimento nem recompensa. Trata-se de dar o que se tem de melhor, sem esperar retorno.

Este conceito pressupõe compreensão e amor profundo. Inclui compaixão - um termo que tende a ser entendido no mundo ocidental com algumas conotações negativas, acrescentadas pela cultura que nos envolve. Compaixão, tal como a entendo, é um sentimento que nos aproxima de tal forma da entidade que o desperta, que nos faz sentir do mesmo modo que ela, sem a distância entre o observador e o observado. Esta idéia parece até estranha, numa cultura que incentiva a expressão da individualidade e a afirmação pela diferença.

Yôga significa união: connosco próprios, com todos os seres que nos rodeiam, com a natureza, e com o cosmos. Percebe-se, então, que para evoluir no Yôga, não basta desenvolver de forma exímia as técnicas prescritas. É necessário acompanhá-las de uma consciência cada vez maior do mundo que nos rodeia e dos laços indissociáveis que nos ligam a ele. A compaixão associa-nos de modo estreito a tudo o que nos envolve, fazendo cair as barreiras que presidem ao acto de julgar. Este é um factor importante, já que sempre que colocamos o nosso julgamento face a um acontecimento ou a um ser, nos afastamos dele. Aproximando-nos o suficiente, a generosidade eclode naturalmente dentro de nós.

Fui compreendendo com o tempo que crescemos em união. Uma família é mais forte do que um indivíduo; um grupo tem mais força do que uma família e assim sucessivamente, passando pelo país, raça, humanidade, planeta e cosmos. À medida que subimos a escadaria, a força aumenta proporcionalmente. E é de tudo isso que fazemos parte integrante. No final, se quisermos, cada um de nós é património do cosmos e o cosmos é o nosso património.

Quando as relações são encaradas com este grau de intimidade, o carinho que nutrimos por tudo o que nos rodeia brota espontaneamente, com verdade, e manifesta-se em generosidade incondicional.
Lina Chambel

12 fevereiro 2010

A Cigarra e a Formiga

Foi na sequência de um e-mail que recebi de um praticante da ADY que surgiram estas reflexões. Dizia ele que sábio é aquele que consegue equilibrar a sua vida entre tempo e dinheiro, pois de nada serve um, se não tivermos o outro. Todos sabemos que esse equilíbrio é fundamental, mas daí a consegui-lo, vai uma distância enorme.

No entanto, não é só de dinheiro que se trata. Pelo que tenho observado, consideramos cada vez mais fundamental o sucesso profissional e parece que esse plano ganhou terreno relativamente aos outros. Ainda há muito quem trabalhe apenas para pagar as contas e suprir as suas necessidades de sobrevivência, mas a maioria de nós pretende retirar satisfação da sua actividade profissional. Até aqui, tudo bem. Mas... pode retirar-se satisfação a pintar paredes muito bem ou a lavar carros bem lavadinhos. Aqui há tempos, um antigo aluno meu, depois de se ter formado em gestão, estava contentíssimo porque tinha arranjado trabalho como jardinheiro: era certamente apenas a perspectiva de um trabalho agradável que o movia.

Pensando melhor, muitos de nós procuram também que o seu trabalho lhes dê qualquer sensação de poder (até aposto que consegue identificar rapidamente vários exemplos desta variante). A maioria parece precisar sobretudo de se sentir útil, ou até imprescindível. E todos estabeleceram um determinado standard, ao nível do qual têm que estar à altura, pois é isso que os outros esperam dele e ele espera de si próprio. Entretanto, os seus chefes exigem que atinja objectivos cada vez mais ambiciosos, ou então a carga de trabalho vai aumentando quase sem se dar por isso e a ocupação profissional vai ganhando cada vez mais terreno relativamente às outras dimensões da vida.

O tempo tem ficado cada vez mais curto para convivermos, para nos divertirmos e para cuidarmos de nós. Cada vez temos mais dificuldade em manter relacionamentos afectivos (até mesmo em iniciá-los), a família vai dispondo de um tempo cada vez menor (tanto, que muitos relegaram para a escola a tarefa de educar os filhos) e para cuidar de nós... é melhor nem falar.

A maioria de nós esgota-se a trabalhar e o tempo vai passando! É até comum os recentes reformados desenvolverem problemas do foro psicológico por não conseguirem ocupar o seu tempo livre: ficam deprimidos, muitas vezes para o resto da vida, por puro tédio. Um dia, chega a hora de passar para outros planos e a vida passou por eles sem que chegassem a saber quem são, para lá do sr. contabilista X, do sr. cozinheiro Y, ou do sr. advogado Z.

A questão é: será que estamos a tirar verdadeiro prazer da companhia da pessoa com quem partilhamos a nossa vida? Será que estamos a usufruir o bastante dos nossos pais, dos nossos filhos, netos e amigos? Será que temos tempo livre para as coisas que nos dão prazer? Será que temos tempo?

Lembra-se da história da cigarra e da formiga? O moral da história é que transpire a trabalhar arduamente durante todo o Verão, para descansar e ter alimentos durante o Inverno. Bem, como dispomos hoje em dia de ar condicionado e aquecimento central, já é altura de equilibrar as coisas! Se, por outro lado, estamos a fazer da nossa vida um eterno Verão de trabalho, isso significa que a formiga consegue ser mais inteligente do que nós. Já agora, aproveito para declarar que sempre achei esta estória horrível, com a formiga a deixar a cigarra lá fora a morrer de fome e frio - foi por isso que desenvolvi uma simpatia secreta pela cigarra, desejando que ela tivesse sido descoberta por um caçador de talentos e se tivesse tornado mundialmente famosa (imagino-a sempre a dar concertos fabulosos, com a formiga sentada na última fila da plateia a roer-se de inveja, depois de ter contado os tostões bem contadinhos para conseguir comprar o bilhete)!