29 dezembro 2010

Quase a fechar 2010


2010 foi o primeiro ano completo de actividades da ADY. Somos um grupo ainda pequeno, que vai crescendo devagar, mas de forma coesa, como uma verdadeira família. Vamos estreitando laços e alargando-os a outros que pensam e sentem de forma idêntica à nossa.
Foi exactamente assim que sonhei este projecto. Rejeitei desde o início a ambição de construir um espaço com foco no lucro e recusei também despesas pesadas e encargos financeiros que me obrigassem a angariar praticantes a todo o custo, a qualquer preço, de forma acelerada. Claro que temos uma renda considerável, mas ela vale o prazer de praticar num local tão bonito e aberto, com um horizonte azul, de céu e mar a perder de vista.

O importante são mesmo as pessoas. Fundamental é cada um dos elementos do grupo, bem como a força que geramos todos juntos. Estamos aqui para crescer, para evoluir como seres humanos. Queremos melhorar a nossa forma física, mas também queremos conquistar mais consciência de nós próprios, dos outros e do mundo que nos rodeia. Queremos estar mais atentos, disponíveis, tolerantes, gentis, alegres e capazes para todos os projectos das nossas vidas.

É um privilégio fazer parte de um grupo que caminha no mesmo sentido e nos apoia no nosso percurso individual. Se um de nós estender a mão, outras se estenderão para a segurar, dando-nos confiança e a segurança necessária para nos podermos aventurar por trilhos inexplorados. O mero convívio com pessoas de «cabeça aberta» é bastante para nos inspirar a aceitar as diferenças, mudar os nossos paradigmas e reciclar comportamentos, idéias, sentimentos e perspectivas.

A vida é uma aventura maravilhosa, mas é como um filme sem guião. Não podemos repetir cenas, voltar atrás, retocar, muito menos substituir personagens. É certo que nos vamos enganar nas deixas com frequência, errar a movimentação em cena, perder o tempo da acção e entrar no cenário errado. E a câmara não pára de rodar... Tudo fica mais fácil se pudermos contar com um bom elenco de actores, com a capacidade suficiente para se reinventar e nos apoiar, com boa disposição e carinho.

É tudo isso que quero agradecer à família ADY no balanço deste ano de actividades. O meu sonho está a concretizar-se porque outras pessoas também o sonharam. Acredito que mais virão e serão recebidos de braços abertos, como companheiros de viagem, independentemente da duração do percurso.

Deixo aqui expresso o meu carinho para cada um dos praticantes da ADY, bem como o desejo de que em 2011 a prática de SwáSthya lhe permita viver de forma cada vez mais intensa e consciente, com determinação, coragem e um amor profundo.

SwáSthya!
Lina Chambel

23 outubro 2010

Mestre DeRose no Páginas Soltas


Uma entrevista dada há três anos, que contém informações preciosas e se mantém actual.

13 outubro 2010

Tagore, o grande humanista



Rabindranath Tagore (1861-1941) foi poeta, romancista, dramaturgo, músico e filósofo. Nasceu na Índia e foi o primeiro asiático a receber o Nobel da Literatura em 1913. Foi também provavelmente o único que compôs dois hinos nacionais: o da Índia e o do Bangladesh.

Fundou uma escola, uma universidade e participou no movimento nacionalista indiano. Foi-lhe concedido o título de sir pela coroa britânica, que ele viria a devolver após o massacre de Amritsar. Foi amigo pessoal de Gandhi (que lhe chamou a sentinela da Índia), de W. B. Yeats, H. G. Wells, Ezra Pound e de Einstein.

Estudou em Inglaterra e adquiriu um grande conhecimento da cultura ocidental, sobretudo da poesia e da ciência. Foi uma das primeiras pessoas do planeta a combinar o saber ocidental com o oriental, o antigo com o moderno. O seu conhecimento da física permitiu-lhe manter um debate com Einstein sobre os princípios dos mecanismos quânticos e do caos, extremamente inovadores na época.

Multifacetado, era sobretudo um humanista, eternamente apaixonado pela vida e pela beleza: «o homem só ensina bem o que para ele tem poesia». As transcrições que se seguem foram traduzidas para o inglês por ele mesmo:

«Everything comes to us that belongs to us if we create the capacity to receive it.»

«Let us not pray to be sheltered from dangers but to be fearless when facing them.»

«I have become my own version of an optimist. If I can't make it through one door, I'll go through another door - or I'll make a door.»

«Let your life lightly dance on the edges of Time like dew on the tip of a leaf.»

«Do not say, «it's morning», and dismiss it with a name of yesterday. See it for the first time as a newborn child that has no name.»

03 outubro 2010

COMER ORAR AMAR, o livro e o filme




O livro começa com a análise da personagem principal ao seu momento actual, numa linguagem criativa e com um humor inteligente. É fascinante na exploração inicial das emoções, das dúvidas e na coragem com que se olha para si mesmo pondo em causa aquilo em que se acredita. Mas depois parece que a criatividade linguística e descritiva esmorece (ou se esgotou). Mal Liz parte para Itália, a autora socorre-se sobretudo de estereótipos, que vão ficando mais recorrentes à medida que a narrativa avança. Vai-se instalando o fácil e o óbvio. Diria que o livro vale pelo início.

O filme ficou colado ao livro, mas sem o humor e a beleza da linguagem que este evidencia na primeira parte. O resultado fica morno, ou versão «light», se preferir. Poderia ter sido enriquecido por uma banda sonora mais forte; a qualidade da fotografia até pede com frequência um som mais intenso e apelativo.

O filme vale pela Julia Roberts e a realização deixa isso bem claro, privilegiando a todo o momento os grandes planos que permitem que a arte da actriz se revele.


Lina Chambel

14 junho 2010

A ADY no Facebook

Um dia Vinícios de Morais disse que «a gente não faz amigos, reconhece-os». Acontece-nos por vezes estabelecer uma empatia imediata com alguém que se acabou de encontrar. Como se essa pessoa tivesse um «não sei quê» que nos é familiar e nos atrai de imediato. Há muitas amizades que começam assim, reconhecendo alguém que está no nosso comprimento de onda. Podemos chegar a ficar amicíssimos de uma pessoa que conhecemos há muito pouco tempo, chegando a partilhar com ela aspectos que não dividimos com amigos mais antigos. Noutros casos, mesmo sem essa empatia inicial, vamos cultivando um convívio mais ou menos assíduo que acaba por desenvolver uma boa amizade. E depois há aqueles casos mais raros, que começam com uma aversão explícita, mas que um dia muda, porque a pessoa nos revela algo nela que ainda não tinhamos visto. Estas últimas correm o risco de se tornar nas amizades mais profundas, daquelas que duram a vida toda.

O modo como uma amizade começa é de menor importância - importantes mesmo são os amigos que nos acompanham ao longo do percurso. No fundo, eles são a familia que escolhemos, aqueles que desejamos ter perto nos bons e maus momentos, com quem dividimos vitórias e derrotas, com quem partilhamos tempo e experiências. É irrelevante se estamos sempre juntos ou se nos encontramos de vez em quando. Podemos até passar anos sem estar com alguns deles - o carinho que nos une permanece e o nosso coração transborda de alegria quando os vemos.

Ontem, abri finalmente uma conta no Facebook em meu nome individual e abri uma conta para a ADY, de modo a podermos estar mais perto uns dos outros. Ainda não pararam de chegar convites, alguns de pessoas que não vejo há imenso tempo. Que alegria! Como é bom poder ficar perto de tantos de uma forma tão simples!

A conta do Facebook da ADY pretende ser um espaço interactivo onde todos os sócios da Associação possam partilhar experiências e conhecimento, não só entre si, mas com outros amigos, praticantes e instrutores de SwáSthya Yôga que desejem manter-se ligados a nós.

Yôga significa «união» e o SwáSthya Yôga celebra o convívio alegre que une o grupo e faz crescer cada um dos indivíduos que o compõe.

01 junho 2010

1º ANIVERSÁRIO DA ADY

Como passou a voar este 1º ano! E que bom tem sido partilhá-lo com todos aqueles que se têm juntado ao grupo. Quero deixar aqui explícito o meu profundo agradecimento a todos os que acarinharam este projecto desde o início e que de algum modo contribuíram para a sua implementação.
A ADY são todos os seus sócios. É por eles e para eles que existe. Assim sendo, aqui fica um beijinho gigante de parabéns para cada um deles, tanto para os fundadores como para os mais recentes.
Temos um mês inteiro para comemorar, com sat chakra especial e gourmet também de aniversário. Como presente, a ADY oferece o valor da inscrição aos novos sócios (válido de 1 a 30 de Junho) e livre trânsito aos que já são efectivos.
A todos os yôgins da ADY,
SwáSthya!

27 abril 2010

A Alimentação e o Yôga Antigo

Sinto que o progresso requer, numa determinada etapa,
que paremos de matar os nossos companheiros,
os animais, para a satisfação dos nossos desejos físicos.
Gandhi
Cada espécie animal tem um determinado padrão digestivo, com características específicas, segundo as necessidades de alimentos determinadas pelos hábitos dos seus antepassados, desde há milhares de gerações. No nosso caso, enquanto seres humanos, importa saber quais os alimentos necessários para alimentar o nosso corpo físico de forma saudável.
Importa também compreender que a nossa alimentação interfere sobremaneira nas nossas emoções, comportamentos e pensamentos. Ela interferirá também com a nossa descendência e com a própria espécie.
Atribui-se a Hipócrates a frase: "somos o que comemos". Os antigos yôgins levavam este conceito bem a sério, adoptando uma dieta baseada na ingestão de alimentos ricos em energia biológica. O ovo-lacto-vegetarianismo, que é ancestralmente a escolha dos yôgins, permite que o organismo receba bioenergia dos alimentos, compensando até o desgaste celular. O prána, que é energia de origem solar (define-se como qualquer tipo de energia manifestada biológicamente), pode ser absorvido através da luz, do ar, da água e dos alimentos. Esta força é a que importa absorver, para ampliar a energia susceptível de nos levar a estados de consciência expandida.
No Yôga Antigo, rejeitamos a carne de animais mortos, não só pela barbárie de matar seres semelhantes a nós, mas também porque não necessitamos de ingerir células mortas, já sem nenhum tipo de energia, em processo de deterioração, que encherá o nosso organismo de toxinas. O nosso metabolismo necessita sim de substâncias nutritivas que lhe permitam libertar energia que possa ser catalizada e transformada. É por essa razão que, desde as suas origens, a tradição nutricional que acompanha o Yôga é extremamente variada e inclui todo o tipo de frutas, cereais, vegetais, raízes, sementes, ovos, leite e todos os seus derivados.
Curiosamente, esta preferência alimentar tão antiga, está agora a ser valorizada pelos estudos mais recentes em nutrição. É também normal que, à medida que a humanidade evolui em termos de civilização, se afaste dos predadores selvagens, que matam e devoram os outros animais, incluindo aves e peixes.

08 abril 2010

Egrégora

Egrégora é o poder gregário gerado pela força de coesão de dois ou mais indivíduos. Tem o poder de induzir fortemente os membros de uma comunidade a agir, sentir e pensar dentro de um padrão. Pode ser interpretada como um segmento do inconsciente colectivo, relativo a um grupo específico.
DeRose in Programa do Primeiro Ano do Curso Básico de Yôga
No mundo ocidental, o poder do grupo não é tão fácil de entender como no oriental. Na Índia, é no grupo que assenta a organização social, muito devido à sua História e religião. Enquanto na Europa os vários povos lutaram entre si, conquistando-se e expulsando-se sem que várias tribos ou grupos coexistissem no mesmo território, na Índia (o país mais invadido da História), muitos grupos tiveram de achar um meio de viver juntos. Encontraram na coexistência separada e não na fusão (que se verificou na Europa), a chave para a sua sobrevivência. Tal tornou-se possível graças ao hinduísmo, formado por vários pontos de vista, ou darshanas. O Yôga, por exemplo, é um dos seis darshanas, o sámkhya (filosofia teórica naturalista na qual o Swásthya Yôga se apoia) é outro, bem como o vêdánta (que se opõe ao sámkhya...).
Em vez de absorver os povos que afluíram ao território, o hinduísmo envolveu-os. De modo que qualquer grupo com costumes específicos poderia ser largado na Índia e, vivendo à parte, conviver amistosamente com os que já lá estavam. Tanto as culturas judaico-cristã como a islâmica se baseiam na pregação de uma verdade única: para um hindu, a verdade depende do ponto de vista. As castas exemplificam a coexistência das diferentes verdades. Neste sistema, a unidade social não é o indivíduo, mas o grupo a que ele pertence, uma vez que cada um se insere hereditariamente num grupo. Cada casta ocupa o seu lugar numa hierarquia rígida, baseada em regras complexas e restrições e todas as castas têm uma posição social inferior ou superior à das outras.
Embora não tendo a mesma organização social, conseguimos sentir no ocidente a força e poder de um grupo. Já experimentou mudar sózinho a forma de agir e pensar de um grupo? Tarefa dificílima: o grupo encontrará maneira de contornar o factor subversivo e continuar exactamente igual. Se, por exemplo, o seu grupo de trabalho tiver gerado uma egrégora à qual não se consegue adaptar, é mais fácil afastar-se do que conseguir mudá-la. A força de coesão que se gera dificilmente alterará o seu padrão.
Do mesmo modo que se encontar sintonia com um determinado grupo, a sua força será ampliada, tal como a de um bando de gansos em vôo. Se observar uma formação de gansos em vôo, verá que se organizam num v, revezando-se na frente quando o lider se cansa, enquanto os que se colocam atrás grasnam para encorajar os da frente.
Urge também identificar egrégoras compatíveis e incompatíveis. Se tiver uma egrégora de família e outra de religião, elas serão compatíveis por serem de ordem diferente. Mas se, por outro lado, tiver duas egrégoras de dois grupos de futebol, elas tornar-se-ão incompatíveis, dada a semelhança.
É por esta razão que o Mestre DeRose desaconselha a prática de Yôga de mais do que uma linhagem. Escolha aquela com que se identifica e não a misture com práticas noutras escolas, para não incorrer no choque de egrégoras, que acabará por o prejudicar. O ideal é que concentre as suas energias em aprimorar-se nas técnicas indicadas pela sua linhagem, ajudando o grupo a evoluir e evoluindo somando as energias do grupo às suas.
A dispersão provoca desgaste e perda de energia. Se for em excesso, pode até causar graves danos de saúde, sem que o indivíduo se aperceba do que lhe está a acontecer. Pergunta-se frequentemente se o Yôga pode ser misturado com desporto. Claro, pois Yôga é filosofia e não colide com desporto algum. Também não gera qualquer incompatibilidade com artes marciais, pelo contrário, constituem excelentes complementos.
Note, também que seja qual for o grupo ou egrégora no qual se integre, quanto mais se envolver e se entrosar com os outros elementos, mais fortelece a sua performance e (ou) conhecimento associados a essa egrégora, seja ela de família, desporto, religião, filosofia ou outra.
Talvez a compreensão do fenómeno da egrégora ajude o mundo ocidental de hoje a coexistir de um modo cada vez mais amigável. Os povos adquiriram extrema mobilidade e as várias comunidades que coexistem hoje no ocidente, poderiam relacionar-se de uma forma bem mais pacífica, se cada grupo se ocupasse em fortalecer a sua egrégora em vez de se preocupar com as outras.

19 março 2010

Ser Pai Hoje


Já lá vai o tempo em que a mãe cuidava e o pai financiava. Hoje, ambos partilham deveres, mimos e brincadeiras na educação dos filhos. Em termos legais, a guarda partilhada em caso de separação, veio também reconhecer o papel fundamental do pai no bem-estar das crianças. Estes são avanços mais do que desejáveis, que permitem um crescimento com maior equilíbrio e segurança na infância e adolescência.


Pessoalmente, tive a grande sorte de ter beneficiado de um pai sempre atento e presente, com segurança suficiente para desempenhar sem constrangimento algum, tarefas que na altura faziam parte do papel de mãe. Partilhámos compreensão, cumplicidade, entre-ajuda e muito carinho ao longo do tempo em que convivemos.


Hoje é dia do pai e pela primeira vez não vou poder abraçá-lo. No entanto, sinto que o meu pai partiu mas não morreu, porque o seu sangue continua a correr nas minhas veias e nas dos meus filhos e a sua herança genética está viva no nosso ADN: é isso mesmo, ser pai significa passar o testemunho e continuar vivo depois de acabar o seu tempo de vida. Ao invés de mergulhar em qualquer tipo de tristeza, celebro a alegria de ter usufruído de um pai maravilhoso e inspiro-me na sua figura tão querida, para cumprimentar todos os pais da ADY. Cada um é único e insubstituível para os seus filhos, uma fonte de inspiração e a referência para a familia que um dia irão constituir.


Parabéns aos pais que entregam o seu amor diariamente sem esperar nada em troca e um feliz dia para pais e filhos, independentemente das ausências.

14 março 2010

Fernando Pessoa sobre o autoconhecimento

Ele foi já há muito reconhecido como um dos maiores poetas portugueses de sempre, mas vendo bem, é ainda mais do isso. Além da arte suprema das palavras, Fernando Pessoa explorou em profundidade o conhecimento de si mesmo, tornando-se também pensador e filósofo.
Considero-o meu Mestre desde os tempos de adolescência (podemos ter vários, se forem de áreas diferentes) e é desde essa altura que há sempre uma das suas obras na minha mesa de cabeceira - é uma fonte de inspiração constante e desafiante. Hoje abri ao acaso o Livro do Desassossego, e apeteceu-me partilhar o que li:
«O homem de ciência reconhece que a única realidade para si é ele próprio, e o único mundo real o mundo como a sua sensação lho dá. Por isso, em lugar de seguir o falso caminho de procurar ajustar as suas sensações às dos outros, fazendo ciência objectiva, procura, antes, conhecer perfeitamente o seu mundo, e a sua personalidade. Nada mais objectivo do que os seus sonhos. Nada mais seu do que a sua consciência de si. Sobre essas duas realidades requinta ele a sua ciência. É muito diferente já da ciência dos antigos científicos, que, longe de buscarem as leis da sua própria personalidade e a organização dos seus sonhos, procuravam as leis do «exterior» e a organização daquilo a que chamavam «Natureza».
(...)
«Em mim o que há de primordial é o hábito e o jeito de sonhar.»
(...)
«Porque eu não só sou um sonhador, mas sou um sonhador exclusivamente. O hábito único de sonhar deu-me uma extraordinária nitidez de visão interior. Não só vejo com espantoso e às vezes perturbante relevo as figuras e os décors dos meus sonhos, mas com igual relevo vejo as minhas ideias abstractas, os meus sentimentos humanos - o que deles me resta, os meus secretos impulsos, as minhas atitudes psíquicas diante de mim próprio. Afirmo que as minhas próprias ideias abstractas, eu as vejo em mim, eu com uma interior visão real as vejo num espaço interno. E assim os seus meandros são-me visíveis nos seus mínimos.
Por isso conheço-me inteiramente, e, através de conhecer-me inteiramente, conheço inteiramente a humanidade toda.»
(...)
«Para dar relevo aos meus sonhos preciso conhecer como é que as paisagens reais e as personagens da vida nos aparecem reveladas. Porque a visão do sonhador não é como a visão do que vê as coisas. No sonho, não há o assentar da vista sobre o importante e o inimportante de um objecto que há na realidade. Só o importante é que o sonhador vê. A realidade verdadeira dum objecto é apenas parte dele; o resto é o pesado tributo que ele paga à matéria em troca de existir no espaço. Semelhantemente, não há no espaço realidade para certos fenómenos que no sonho são palpavelmente reais. Um poente real é imponderável e transitório. Um poente de sonho é fixo e eterno. Quem sabe escrever é o que sabe ver os seus sonhos nitidamente (e é assim) ou ver em sonho a vida, ver a vida imaterialmente, tirando-lhe fotografias com a máquina do devaneio, sobre a qual os raios do pesado, do útil e do circunscrito não têm acção, dando negro na chapa espiritual.»
Platão já tinha afirmado que a realidade é uma ilusão de sombras. Colocou a verdadeira realidade para lá das nossas percepções sensoriais, provavelmente na dimensão do sonho aqui descrito por Fernando Pessoa. Platão concordaria também em que só o sonho é objectivo; só a visão interior (aquela que procuramos atingir no Yôga desenvolvendo a intuição) permite o acesso à verdadeira consciência de si e do mundo.
Com estas palavras, aprendi que preciso de me sonhar para me conhecer, mas elas sugerem muitas outras reflexões. Desafio-o a si, que está a ler este texto, a partilhar os pensamentos que ele lhe inspirou, deixando o seu comentário sobre o tema.
Pela minha parte, digo que se Fernando Pessoa se tivesse encontrado com o SwáSthya Yôga, teria também aprendido a dançar, tornando-se num digno discípulo de Shiva Natarája.
Lina Chambel

23 fevereiro 2010

Generosidade e União



Generosidade é um conceito com múltiplas possibilidades de entendimento. Aquele que escolho para esta reflexão, é o que pretendemos desenvolver no Swásthya Yôga, que não prevê reconhecimento nem recompensa. Trata-se de dar o que se tem de melhor, sem esperar retorno.

Este conceito pressupõe compreensão e amor profundo. Inclui compaixão - um termo que tende a ser entendido no mundo ocidental com algumas conotações negativas, acrescentadas pela cultura que nos envolve. Compaixão, tal como a entendo, é um sentimento que nos aproxima de tal forma da entidade que o desperta, que nos faz sentir do mesmo modo que ela, sem a distância entre o observador e o observado. Esta idéia parece até estranha, numa cultura que incentiva a expressão da individualidade e a afirmação pela diferença.

Yôga significa união: connosco próprios, com todos os seres que nos rodeiam, com a natureza, e com o cosmos. Percebe-se, então, que para evoluir no Yôga, não basta desenvolver de forma exímia as técnicas prescritas. É necessário acompanhá-las de uma consciência cada vez maior do mundo que nos rodeia e dos laços indissociáveis que nos ligam a ele. A compaixão associa-nos de modo estreito a tudo o que nos envolve, fazendo cair as barreiras que presidem ao acto de julgar. Este é um factor importante, já que sempre que colocamos o nosso julgamento face a um acontecimento ou a um ser, nos afastamos dele. Aproximando-nos o suficiente, a generosidade eclode naturalmente dentro de nós.

Fui compreendendo com o tempo que crescemos em união. Uma família é mais forte do que um indivíduo; um grupo tem mais força do que uma família e assim sucessivamente, passando pelo país, raça, humanidade, planeta e cosmos. À medida que subimos a escadaria, a força aumenta proporcionalmente. E é de tudo isso que fazemos parte integrante. No final, se quisermos, cada um de nós é património do cosmos e o cosmos é o nosso património.

Quando as relações são encaradas com este grau de intimidade, o carinho que nutrimos por tudo o que nos rodeia brota espontaneamente, com verdade, e manifesta-se em generosidade incondicional.
Lina Chambel

12 fevereiro 2010

A Cigarra e a Formiga

Foi na sequência de um e-mail que recebi de um praticante da ADY que surgiram estas reflexões. Dizia ele que sábio é aquele que consegue equilibrar a sua vida entre tempo e dinheiro, pois de nada serve um, se não tivermos o outro. Todos sabemos que esse equilíbrio é fundamental, mas daí a consegui-lo, vai uma distância enorme.

No entanto, não é só de dinheiro que se trata. Pelo que tenho observado, consideramos cada vez mais fundamental o sucesso profissional e parece que esse plano ganhou terreno relativamente aos outros. Ainda há muito quem trabalhe apenas para pagar as contas e suprir as suas necessidades de sobrevivência, mas a maioria de nós pretende retirar satisfação da sua actividade profissional. Até aqui, tudo bem. Mas... pode retirar-se satisfação a pintar paredes muito bem ou a lavar carros bem lavadinhos. Aqui há tempos, um antigo aluno meu, depois de se ter formado em gestão, estava contentíssimo porque tinha arranjado trabalho como jardinheiro: era certamente apenas a perspectiva de um trabalho agradável que o movia.

Pensando melhor, muitos de nós procuram também que o seu trabalho lhes dê qualquer sensação de poder (até aposto que consegue identificar rapidamente vários exemplos desta variante). A maioria parece precisar sobretudo de se sentir útil, ou até imprescindível. E todos estabeleceram um determinado standard, ao nível do qual têm que estar à altura, pois é isso que os outros esperam dele e ele espera de si próprio. Entretanto, os seus chefes exigem que atinja objectivos cada vez mais ambiciosos, ou então a carga de trabalho vai aumentando quase sem se dar por isso e a ocupação profissional vai ganhando cada vez mais terreno relativamente às outras dimensões da vida.

O tempo tem ficado cada vez mais curto para convivermos, para nos divertirmos e para cuidarmos de nós. Cada vez temos mais dificuldade em manter relacionamentos afectivos (até mesmo em iniciá-los), a família vai dispondo de um tempo cada vez menor (tanto, que muitos relegaram para a escola a tarefa de educar os filhos) e para cuidar de nós... é melhor nem falar.

A maioria de nós esgota-se a trabalhar e o tempo vai passando! É até comum os recentes reformados desenvolverem problemas do foro psicológico por não conseguirem ocupar o seu tempo livre: ficam deprimidos, muitas vezes para o resto da vida, por puro tédio. Um dia, chega a hora de passar para outros planos e a vida passou por eles sem que chegassem a saber quem são, para lá do sr. contabilista X, do sr. cozinheiro Y, ou do sr. advogado Z.

A questão é: será que estamos a tirar verdadeiro prazer da companhia da pessoa com quem partilhamos a nossa vida? Será que estamos a usufruir o bastante dos nossos pais, dos nossos filhos, netos e amigos? Será que temos tempo livre para as coisas que nos dão prazer? Será que temos tempo?

Lembra-se da história da cigarra e da formiga? O moral da história é que transpire a trabalhar arduamente durante todo o Verão, para descansar e ter alimentos durante o Inverno. Bem, como dispomos hoje em dia de ar condicionado e aquecimento central, já é altura de equilibrar as coisas! Se, por outro lado, estamos a fazer da nossa vida um eterno Verão de trabalho, isso significa que a formiga consegue ser mais inteligente do que nós. Já agora, aproveito para declarar que sempre achei esta estória horrível, com a formiga a deixar a cigarra lá fora a morrer de fome e frio - foi por isso que desenvolvi uma simpatia secreta pela cigarra, desejando que ela tivesse sido descoberta por um caçador de talentos e se tivesse tornado mundialmente famosa (imagino-a sempre a dar concertos fabulosos, com a formiga sentada na última fila da plateia a roer-se de inveja, depois de ter contado os tostões bem contadinhos para conseguir comprar o bilhete)!

24 janeiro 2010

Semana de purificação intensiva

Concluímos hoje o nosso programa de uma semana de purificação intensiva. Que grande desafio! Aqueles que aderiram-no, viveram-no com o verdadeiro espírito de aventura necessário para quem se põe à prova, plenos de entusiasmo. Cumpriram os seus objectivos, observaram-se, fizeram descobertas e farão certamente alterações. É esse mesmo o espírito de todo o yôgin: vivenciar, observar-se, auto superar-se e transformar-se, como todo o verdadeiro herdeiro do Yôga de Shiva deverá fazer. Por isso mesmo, estou muito orgulhosa por ter partilhado este programa de bhúta shuddhi com verdadeiros yôgins.

Sei que mais alguns gostariam de ter seguido o programa connosco, mas tal não foi possível devido a circunstâncias várias das suas vidas. Teremos mais oportunidades, sabendo que em grupo tudo se torna mais fácil. Essa é uma força muito grande, a do grupo de pessoas que persegue os mesmos objectivos. Permite-nos conversar sobre os pequenos quês e porquês, trocar experiências e não nos sentirmos sós. É isso sobretudo que a ADY pretende ser: um espaço de partilha de experiências, apoio a todos e a cada um, incentivo para nos conhecermos a nós próprios cada vez mais e para evoluir.

O sistema alimentar que seguimos é um aspecto preponderante da nossa vida diária. Para evoluir no Yôga, é imprescindível fazer alterações no comportamento alimentar. Para perceber a razão para essas alterações, é preciso passar pela experiência de as implementar e verificar as diferenças na prática.

O kriyá também é fundamental no SwáSthya Yôga, mas esse é assunto para outra conversa.