06 julho 2009

As Pequenas Coisas

É bom sonhar grande e alto: construir ideais, projectos, imaginar o que pode ser, esboçar contornos para o futuro mais desejado... Seria bem cinzenta a existência, sem essa dimensão onírica. Ela é para muitos de nós o grande motor de arranque para seguir os caminhos que traçamos.
Há até quem escolha viver aí, nessa dimensão colorida, preferindo não olhar em volta e arregaçar as mangas para resolver problemas, pagar as contas e assumir responsabilidades. O dia-a-dia é duro de mais para se olhar de frente. Se conseguirmos acreditar com força suficiente na figurinha que pintámos no livro de histórias, então ela ganha forma real, ocupa espaço e ninguém nos vai conseguir convencer de que o Peter Pan cresceu e ficou gordo demais para poder voar. O melhor mesmo é assumir o papel de enfant terrible que não cede às miudezas e decididamente, não se adapta.
É certo também que, à força de tantos castelos caídos, outros vão perdendo o gosto por esse jogo do faz de conta. "São coisas de criança!" - dizem a si próprios. "A vida é séria e há que vivê-la com os pés bem assentes no chão, se não ela atropela-nos e deixa-nos para trás." ... E aqui sente-se o medo latente de ver mais castelos ruir: se tudo couber dentro dos limites do plausível e do possível, reduz-se a sensação de fracasso, de desilusão. Esperando menos da vida, esperamos menos de nós e podemos aceitar melhor as nossas próprias limitações e fracassos. Podemos sempre culpar a vida e os outros, o tempo e o azar, os políticos e a conjuntura mundial... numa lista confortavelmente interminável.
Pode também oscilar-se entre um extremo e outro, sempre a pagar consultas frequentes de psicoterapeuta que ajude a gerir a fase do momento. Podem-se tomar umas coisinhas que ajudem a deixar para depois o que não se pode ver agora, tal qual como a avestruz, que esconde a cabeça para se sentir protegida. A lista, mais uma vez, é longa e variada.
Quase todos, no entanto, se enchem de tarefas e rotinas diárias. É preciso cumpri-las escrupulosamente como uma máquina bem programada, uma depois da outra, como se pilotássemos um avião com piloto automático, que voa direitinho sem sobressaltos.
Ficam de fora as pequenas coisas, aquelas sem importância alguma. As insignificâncias momentâneas, tão fugazes que nem notamos. Pode incluir-se neste rol o momento em que olhamos pela janela de manhã; a música do auto-rádio que nos encheu o coração no caminho para o trabalho; o olhar de alguém que se cruza connosco na rua; os pequenos gestos carinhosos que não pedimos, as coincidências que são obra do acaso; as sincronias inconsequentes; a sintonia inesperada; bem como todos os outros instantes que não aparentam nada de especial.
No entanto, é nesses fragmentos que a nossa vida se sucede. As coisas grandes e "importantes" acabam por nos distrair tanto, que deixamos passar as pequenas coisas sem as notar, sem usufruir, sem interiorizar, sem ter consciência delas. Por vezes vamos buscá-las ao passado com saudade, na tentativa de recuperar para o presente alguém que já perdemos ou um tempo que já passou. Outras vezes lamentamos não ter conseguido perceber os sinais que a vida nos vai dando nesses instantes...
A vida está a passar agora! Sentimo-la neste momento, nesta impressão que é como uma pincelada, ou ficamos presos ao que não é eternamente?
Lina Chambel

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